sexta-feira, 28 de março de 2014
Cinesioterapia - Revisão de Literatura
1. Flexibilidade e Alongamento – Revisão da Literatura
A flexibilidade é um importante componente da aptidão física e está relacionada à saúde e ao desempenho atlético, podendo ser definida como a habilidade para mover uma articulação através de uma amplitude de movimento (ADM) normal sem estresse excessivo para a unidade músculo-tendínea (CHANDLER et al., 1990).
A flexibilidade muscular é um fator importante, tanto na prevenção quanto na reabilitação de lesões (INKLAAR, 1994; HAWKINS & FULLER, 1998; NEELY, 1998). Estudos têm demonstrado uma associação entre a falta de flexibilidade muscular e a ocorrência de lesões músculo-esqueléticas (KNAPIK et al., 1992; INKLAAR, 1994; SALLAY et al., 1996; MOREAU & BIVIC, 1998; HERBERT & GABRIEL, 2002), contudo, esta relação entre flexibilidade e lesões ainda não está muito bem estabelecida na literatura.
Existem diferentes fatores determinantes da flexibilidade, que podem ser influenciados por fatores neurofisiológicos (KARPOVICH & SINNING, 1971; KLINGE et al, 1997; BURKE et al., 2001), biomecânicos (TAYLOR et al., 1990; HALBERTSMA et al., 1996; MAGNUSSON et al., 1996a.; MAGNUSSON et al., 1996b; MAGNUSSON et al., 1998; MAGNUSSON et al., 2000b; MAGNUSSON et al., 2000c) e térmicos (WILLIFORD et al., 1986; LENTELL et al., 1992; SAFRAN et al., 1998; MAGNUSSON et al., 2000a). Outros fatores como gênero (FARIAS JÚNIOR & BARROS, 1998; FELAND et al., 2001; YOUDAS et al., 2005), idade (OTTENBACHER et al., 1986; ADAMS et al., 1999; FELAND et al., 2001), nível de atividade física (FARIAS JÚNIOR & BARROS, 1998), obesidade (FARIAS JÚNIOR & BARROS, 1998), estado dos tecidos moles (POLLOCK & WILMORE, 1993) e força muscular (JÖNHAGEN et al., 1994; KLINGE et al., 1997; KOKKONEN et al., 1998; HOWDER-POWELL & RUTHERFORD, 1999) também são reportados na literatura como determinantes da flexibilidade.
1.1 Fatores Neurofisiológicos
Os principais fatores neurofisiológicos que influenciam na flexibilidade são as ações do fuso muscular e do órgão tendinoso de golgi (OTG), além do mecanismo de inibição recíproca (ALTER, 2001).
As fibras do fuso muscular ou intrafusais estão localizadas paralelamente às fibras musculares extrafusais e são responsáveis por detectar alterações no comprimento muscular, bem como a velocidade destas alterações. Há dois tipos de resposta reflexa de alongamento: fásica e tônica. A resposta fásica ocorre quando um músculo é rapidamente alongado, o que aumenta a taxa de disparo do fuso muscular, provocando o reflexo de estiramento. Quando este reflexo é eliciado, ocorre uma contração reflexa proporcional à velocidade de alongamento, que irá produzir uma resistência ao movimento articular e consequentemente ao alongamento muscular. A resposta tônica está relacionada ao ajuste postural. A manutenção de uma determinada postura é garantida pela percepção do movimento (cinestesia) e do posicionamento articular (senso posicional). As fibras intrafusais são capazes de perceber alterações cinestésicas e posicionais, provocando uma contração muscular a fim de corrigir a postura (ALTER, 2001).
Os OTGs são mecanorreceptores localizados na junção miotendínea, sensíveis ao aumento de tensão no músculo e no tendão. Tanto o alongamento quanto a contração muscular podem promover um aumento da tensão no tendão, ativando os OTGs. Entretanto, os OTGs são mais sensíveis à tensão provocada pela contração muscular do que ao alongamento. Se o alongamento ou contração forem mantidos por um período superior a seis segundos, os OTGs são ativados, promovendo um relaxamento reflexo do músculo, facilitando o seu alongamento. Este mecanismo é chamado de inibição autogênica (PRENTICE, 2002).
Outro fenômeno neurofisiológico que influencia na flexibilidade é o da inibição recíproca, provocado pela inervação recíproca, um circuito neuronal que inibe os músculos antagonistas durante a contração de um músculo ou grupo muscular. Esta inibição diminui o tônus muscular do antagonista, facilitando o seu alongamento (GUYTON & HALL, 2002).
1.2 Fatores Biomecânicos
Entre os fatores biomecânicos a serem considerados, o comportamento mecânico do tecido muscular possui um papel fundamental para a compreensão da flexibilidade. O tecido muscular é composto pelo elemento contrátil (EC) e pelo elemento elástico (EE) do músculo. O EC é representado pelo componente ativo formados pelos miofilamentos de actina e miosina e o EE é representado pelo componente passivo, formado pelo tecido conectivo. Estes elementos resistem à deformação do músculo e do tendão quando são submetidos a uma força de tração, limitando a flexibilidade (MAGNUSSON et al., 1996b; PROSKE & MORGAN, 1999; CULAV et al., 1999; MAGNUSSON et al., 2000c; KJAER, 2004).
O tecido conectivo muscular é formado por tecido conjuntivo denso e está presente nos vários envoltórios que circundam as estruturas musculares. O epimísio é constituído por uma camada de tecido conjuntivo que envolve todo o músculo e se afunila em suas extremidades, formando o tendão. O perimísio circunda cada fascículo, que é um conjunto de aproximadamente 150 fibras musculares. O endomísio é uma fina camada de tecido conjuntivo que envolve cada fibra muscular. Sob o endomísio está localizado o sarcolema, que envolve o sarcômero, unidade funcional do músculo (McCARDLE et al., 1998; KJAER, 2004).
O tecido conectivo é constituído de três tipos de fibras: as fibras colágenas, responsáveis pela rigidez do tecido, as fibras elásticas, que dão complacência ao tecido, e as fibras reticulínicas, que dão volume ao tecido, além da substância de fundo, que reduz o atrito entre as fibras (KISNER & COLBY, 2004).
As fibras colágenas responsáveis pela rigidez do tecido, são formadas por moléculas de colágeno conectadas entre si por pontes de hidrogênio. O colágeno é a proteína mais abundante nos mamíferos, constituindo um terço das proteínas corporais. Estas fibras são arranjadas em feixes paralelos e apresentam uma configuração ondulada (BORG & CAULFIELD, 1980). A substância de fundo é um gel composto por glicosaminoglicanos, proteínas e água, e está localizada entre as moléculas de colágeno, permitindo um livre deslizamento entre estas moléculas e garantindo a capacidade de deformação do tecido conectivo. O colágeno tem como características grande resistência à tensão e baixa capacidade de deformação. O aumento da quantidade de pontes de hidrogênio e a diminuição da distância entre elas irão determinar menor elasticidade e maior resistência ao alongamento (ALTER, 2001; KJAER, 2004).
As fibras elásticas são constituídas essencialmente de elastina, substância capaz de se alongar até 150% do seu comprimento antes de se romper. Não se observa, na literatura, um consenso sobre o comportamento mecânico da elastina quando submetida a uma força de tensão. Entretanto, sabe-se que as fibras elásticas são mais complacentes e menos resistentes quando comparadas às fibras de colágeno. Desta forma, a proporção entre o número de fibras colágenas e elásticas de um tecido vai determinar sua maior rigidez ou complacência (CULAV et al., 1999).
Devido à sua organização, quando o tecido conectivo é submetido a uma tensão, ele pode apresentar dois tipos de comportamento: elástico e plástico. O comportamento elástico baseia-se na sua propriedade elástica, que é a capacidade do tecido de alongar-se e retornar ao seu comprimento original quando a força de tração é retirada. A deformação elástica de um tecido é diretamente proporcional à carga aplicada e depende da quantidade de deformação sofrida. Se um tecido é alongado além do seu limite elástico, ele não retornará ao seu comprimento original, sofrendo assim uma deformação plástica. O comportamento plástico de um tecido baseia-se na sua propriedade plástica, que é a capacidade do tecido de assumir um novo comprimento, deformando-se permanentemente quando a força de tração é retirada. Se um tecido é alongado além do seu limite elástico, haverá uma falha na sua estrutura e um rompimento tecidual (TAYLOR et al., 1990).
Apesar da elasticidade e da plasticidade serem propriedades bastante distintas e comprovadamente presentes nos tecidos biológicos, o tecido conectivo não é perfeitamente plástico ou elástico. Ele apresenta uma combinação de propriedades chamada de viscoelasticidade. A viscoelasticidade é uma propriedade tempo-dependente, ou seja, o tecido se deforma sob tração e retorna ao seu comprimento original quando a carga de tração é retirada, mas tanto sua deformação quanto seu retorno demoram certo tempo para acontecer (TAYLOR et al., 1990; MCHUGH et al., 1992; MAGNUSSON et al., 2000b). De fato, a quantidade de deformação sofrida pelo tecido quando sob tensão é diretamente proporcional à magnitude da carga aplicada e depende do tempo e da velocidade da aplicação desta carga . Quando uma força de tração é aplicada, o tempo requerido para o alongamento varia inversamente à quantidade de força aplicada (TAYLOR et al., 1990). Segundo Magnussom et al. (1996b), o aumento do comprimento muscular obtido pelo exercício de alongamento se mantém por certo tempo por causa de suas propriedades viscoelásticas.
A viscoelasticidade determina a tensão tecidual quando este é submetido a uma força de alongamento. Quando o tecido é tracionado e mantido em um comprimento constante, ocorre um declínio gradual da tensão após um período de tempo devido à sua viscoelasticidade. Esta propriedade do tecido é denominada relaxamento ao estresse (TAYLOR et al., 1990). É por isso que a força necessária para manter um tecido alongado diminui com o passar do tempo. De forma similar, se uma carga de alongamento for aplicada a um tecido, este sofrerá uma deformação com o passar do tempo, aumentando o seu comprimento; esta propriedade é chamada de creep. O comportamento viscoelástico presente na musculatura faz com que qualquer músculo, quando submetido a uma força de alongamento, se comporte de acordo com estas duas propriedades: relaxamento ao estresse e creep (TAYLOR et al., 1990).
Além da resistência à tensão oferecida pelo elemento elástico, os miofilamentos de actina e miosina também resistem à deformação e o bom entendimento de sua morfologia é fundamental para a compreensão do seu comportamento mecânico. Durante o alongamento passivo da musculatura, há uma alteração mecânica das pontes transversas de actina e miosina à medida que os filamentos se separam, resultando em alongamento dos sarcômeros. Quando a força é liberada, os sarcômeros retornam ao seu comprimento normal (TAYLOR et al., 1993; ALTER, 2001; KISNER & COLBY, 2004). Apesar de ocorrer um aumento do tamanho do sarcômero durante o alongamento muscular, os miofilamentos de actina e miosina permanecem com o seu comprimento inalterado, ocorrendo apenas uma menor sobreposição entre eles. O que garante o retorno do sarcômero ao seu tamanho original, quando a força é retirada, é a presença de um terceiro miofilamento, a titina (LINKE et al., 1996; ALTER, 2001; MINAJEVA et al., 2001; KELLERMAYER & GRAMA, 2002).
A titina é uma proteína que constitui cerca de 10% da massa da fibra muscular e conecta a miosina à linha Z do sarcômero. Devido à sua localização, ela possui duas funções fundamentais. A primeira é garantir a manutenção da arquitetura do sarcômero durante o seu alongamento, ou seja, a titina mantém a miosina entre os filamentos de actina, assegurando a conformação estrutural do sarcômero mesmo quando alongado. A segunda função da titina é permitir o retorno do sarcômero ao seu comprimento original quando uma carga de alongamento é retirada, devido à sua elasticidade (LINKE et al., 1996). Desta forma, a titina oferece resistência ao alongamento muscular juntamente com o EE constituído pelo epimísio, perimísio e endomísio (LINKE et al., 1996; MINAJEVA et al., 2001; KELLERMAYER & GRAMA, 2002).
1.3. Temperatura
A temperatura muscular afeta as propriedades biomecânicas do músculo. O calor é capaz de aumentar a extensibilidade do tecido conectivo, facilitando o relaxamento ao estresse e permitindo maior deformação ao alongamento (WILLIFORD et al., 1986; LENTELL et al., 1992; CHEN & HUMPHREY, 1998; ALTER, 2001; FUNK et al., 2001). Alguns recursos que atuam na temperatura tecidual têm sido propostos na prática clínica, no intuito de potencializar a eficácia do alongamento, tais como: a aplicação de gelo (TAYLOR et al., 1995; BURKE et al., 2001), calor superficial (FUNK et al., 2001; SAWYER et al., 2003), ondas curtas (DRAPER et al., 1999; DRAPER et al., 2002; PEREZ et al., 2002) e a realização de atividade física (VAN MECHELEN et al., 1993; GAMA FILHO et al., 2003) precedendo o alongamento.
A literatura aponta uma maior efetividade da associação do aquecimento ao alongamento, quando comparada com o alongamento isolado. Draper et al. (1999) demonstraram uma maior efetividade do alongamento quando este era precedido de aplicação de ultra-som terapêutico como forma de aquecimento profundo. Wessling et al. (1987) também observaram os mesmos resultados, mostrando uma maior extensibilidade do tríceps sural quando o alongamento era precedido da aplicação de ultra-som terapêutico.
Garret (1996), em um estudo experimental com coelhos, verificou que um aumento da temperatura muscular em 1ºC fez com que o músculo necessitasse de uma maior tensão e de um período maior de tempo para se romper, concluindo que a viscoelasticidade depende diretamente da temperatura. O mesmo comporamento foi observado por Noonan et al. (1993). Por outro lado, Magnusson et al. (2000) não encontraram alterações na absorção de energia pelo músculo quando este era submetido a uma sessão de aquecimento ativo, que consistia em uma corrida a uma intensidade de 70 a 75% da capacidade máxima de consumo de oxigênio.
Draper et al. (2002) compararam a efetividade de um programa de cinco dias de alongamento associado ou não ao aquecimento muscular por ondas curtas e não verificaram diferença no ganho de flexibilidade entre os grupos. Segundo o autor, uma diferença na flexibilidade inicial entre os grupos pode ter sido responsável pelos resultados, que não concordam com os resultados de estudos prévios.
Entre as alterações neurofisiológicas provocadas pelo aumento da temperatura muscular, estão: o aumento do o limiar de dor, a diminuição da sensibilidade do fuso muscular ao alongamento e o aumento da taxa de disparo dos OTGs (ALTER, 2001). A atividade elétrica do músculo também pode ser influenciada por alterações na sua temperatura. Rosembaum & Hennig (1997) verificaram, eletromiograficamente, uma diminuição no tempo de reação do músculo durante o exercício de alongamento quando este se encontrava aquecido, permitindo um maior ganho de flexibilidade.
1.3.1 Aquecimento Provocado pela Atividade Física
O corpo humano é homeotérmico, ou seja, apresenta a temperatura interna relativamente constante, podendo tolerar variações de temperatura ambiente entre 50ºC negativos e 100ºC positivos, desde que devidamente protegido (ASTRAND & RODAHL, 1980). A temperatura corporal é regulada por mecanismos neurais, controlados pelo hipotálamo (FOX et al., 1991) e que podem ser ativados de duas maneiras: por receptores térmicos na pele, que proporcionam influxo para a área de controle central, e por estimulação direta sobre o hipotálamo, através da modificação da temperatura do sangue que perfunde esta área (McCARDLE et al., 1998). A ação destes mecanismos mantém a temperatura corporal central nos níveis de 37ºC ± 0, 6ºC. O mecanismo de termorregulação se torna falho quando a temperatura corporal central atinge valores superiores a 41,1ºC ou inferiores a 34,4ºC (GUYTON & HALL, 2002).
Durante o processo metabólico, somente 20 a 25 % da energia de um nutriente é convertida em trabalho, sendo o restante convertido em energia térmica. Logo, é importante o funcionamento ideal dos mecanismos termorregulatórios, para que não ocorra superaquecimento (WILMORE & COSTILL, 2001). O calor metabólico é produzido através de reações químicas que liberam energia (DOUGLAS, 1994; GUYTON & HALL, 2002).
Além das reações químicas, o atrito causado pela contração muscular, bem como o atrito do sangue com os vasos, são fatores que predispõem ao aumento da temperatura corporal central (FOX et al., 1991).
Este aquecimento é controlado por mecanismos termorreguladores, que agem no sentido de evitar o superaquecimento. Tais mecanismos são, portanto, determinantes da temperatura muscular e dependem da intensidade da atividade, que pode ser avaliada através do consumo de oxigênio ou da freqüência cardíaca (McCARDLE et al., 1998).
O aumento da temperatura corporal central não deve ser entendido como uma falha do mecanismo de termorregulação, uma vez que ele é essencial para que haja um aumento da velocidade das reações químicas e do metabolismo muscular, aumentando a eficiência do organismo para a execução das atividades (KARPOVICH & SINNING, 1971; GUYTON & HALL, 2002).
McArdle et al. (1998) afirmam que a atividade física realizada em um meio ambiente confortável com 50% do consumo máximo de oxigênio causa uma elevação da temperatura central para um novo nível de aproximadamente 37,3º C. Já o trabalho realizado com 75% do VO2 máximo eleva esta temperatura próxima a 38,5ºC. Este aumento da temperatura central independe do nível absoluto de captação de oxigênio.
É descrita, na literatura, uma correlação positiva entre a temperatura central e a freqüência cardíaca (FERGUSON et al., 2002). Segundo Ftaiti et al. (1998), um aumento de 1ºC na temperatura central pode ser traduzido em um aumento de 15 a 18 batimentos por minuto na freqüência cardíaca.
O aumento da temperatura na musculatura que está sendo utilizada para a execução de uma atividade física é sempre maior que o aumento da temperatura corporal central (FISHER et al., 1999; KARPOVICH & SINNING, 1971), podendo atingir valores de 40º C (FERGUSON et al., 2002).
1.4 Outros Fatores
O sexo é outro fator determinante da flexibilidade. As mulheres possuem maior quantidade de elastina, por isso tendem a apresentar maior flexibilidade do que os homens (FARIAS JÚNIOR & BARROS, 1998; YOUDAS et al., 2005). A idade e a inatividade também determinam a flexibilidade. O aumento da idade e a inatividade física fazem com que o indivíduo perca água, fibras elásticas e mucopolissacarídeos e aumente a quantidade de colágeno, o que aumenta a quantidade de pontes de hidrogênio e diminui a flexibilidade (OTTENBACHER et al., 1986; ADAMS et al., 1999; THOMPSON, 2002). O indivíduo fisicamente ativo possui maior flexibilidade, desde que a atividade inclua exercícios de alongamento (ADAMS et al., 1999). O indivíduo obeso, além da tendência à inatividade física, possui reservas de tecido adiposo no interior das articulações, o que diminui a flexibilidade (FARIAS JÚNIOR & BARROS, 1998). A história de uma lesão muscular prévia também influencia a flexibilidade. Segundo Taylor et al. (1993), um músculo que já sofreu alguma distensão ou contratura possui menor flexibilidade e maior probabilidade de recidiva.
É bastante discutida na literatura a relação entre flexibilidade e força muscular. Jönhagen et al. (1994) concluíram que as lesões dos músculos isquiotibiais estão normalmente associadas à diminuição da flexibilidade e à fraqueza destes músculos durante a contração excêntrica e concêntrica de baixa velocidade. Alguns estudos verificaram uma diminuição na capacidade muscular de produção de força logo após seu alongamento (HOWDER-POWEL & RUTHERFORD, 1999; KOKKONEN et al., 1998; SCHILLING et al., 2000). Wiktorsson-Moller et al. (1983) examinaram o efeito do alongamento, do aquecimento e da massagem na força muscular e não observaram nenhum efeito além do aumento da ADM articular. Klinge et al. (1997) concluíram que os exercícios de flexibilidade não têm efeito significativo na resposta ao treino de força muscular. Clark & Kinzey (1998) não encontraram alterações eletromiográficas músculo após o exercício de alongamento.
1.5 Técnicas de Alongamento Muscular
O objetivo principal dos exercícios de alongamento muscular é promover o ganho de flexibilidade. A realização do alongamento antes ou após a atividade esportiva tem se tornado prática constante no meio esportivo. Usualmente, o propósito é reduzir o risco de lesões (VAN MECHELEN et al., 1993; SALLAY et al., 1996; ROLLS & GEORGE, 2004; YEUNG & YEUNG, 2001; WITVROUW et al., 2003). Os exercícios de alongamento muscular atuam nas propriedades viscoelásticas e aumentam a complacência muscular. Além disso, o alongamento parece estar relacionado ao aumento do limiar da dor durante sua realização, fazendo com que parte do ganho de flexibilidade percebido após exercícios de alongamento se deva ao aumento da tolerância ao alongamento (SHRIER & GOSSAL, 2000; MAGNUSSON et al., 1996a; HALBERTSMA et al., 1996; MAGNUSSON et al., 1998). Há várias formas descritas na literatura para executar o alongamento, contudo três delas são as mais utilizadas: alongamento estático, alongamento balístico e facilitação neuromuscular proprioceptiva (FNP).
1.5.1 Alongamento Estático
No alongamento estático, o músculo é lentamente alongado até o final do movimento, que é determinado por barreira mecânica ou pela tolerância do indivíduo, sendo esta posição mantida por um determinado período. Tal força pode ser aplicada passivamente pela ação da gravidade no segmento anatômico envolvido, por uma carga manual ou mecânica (GADJOSIK & BOHANNON, 1991; ROBERTS & WILSON, 1999). A literatura apresenta vários estudos que visam determinar o tempo de manutenção do alongamento estático, bem como o número de séries que devem ser aplicadas para a obtenção do maior ganho de flexibilidade (ROBERTS & WILSON, 1999; BANDY & IRION, 1994; TAYLOR et al., 1990; MAGNUSSON et al., 1996b). Contudo, há dois tipos distintos de ganho de flexibilidade: o ganho imediato, observado imediatamente após a execução de uma sessão de alongamento, e o ganho a longo prazo, observado após semanas de treinamento da flexibilidade.
O aumento imediato da ADM observado após a execução de um exercício de alongamento pode ser atribuído às propriedades viscoelásticas do músculo. Taylor et al. (1990) estudaram as propriedades viscoelásticas dos músculos extensor dos dedos e tibial anterior de coelhos e observaram que um determinado tempo é necessário para que haja uma adaptação a um novo comprimento muscular. Segundo os autores, 30 segundos foram suficientes para promover um ganho de comprimento muscular. Este ganho foi observado até a quarta repetição de alongamento. Os mesmos resultados foram observados em seres humanos por Magnusson et al. (1996b), que mostraram uma redução da rigidez dos músculos isquiotibiais após cinco repetições de alongamento com 30 segundos cada.
Madding et al. (1987) compararam o efeito de diferentes tempos de sustentação do exercício de alongamento dos músculos adutores de quadril no ganho imediato de flexibilidade. Não foi encontrada nenhuma diferença entre 15, 45 e 120 segundos de sustentação, sugerindo que 15 segundos são suficientes para proporcionar um ganho imediato de flexibilidade muscular.
Apesar de estar comprovada a alteração do comprimento muscular após o seu alongamento, esta alteração parece durar pouco tempo. Devido às suas propriedades viscoelásticas, da mesma maneira que um músculo leva algum tempo para assumir um novo comprimento durante seu alongamento, ele demora a retornar ao seu comprimento original quando a força de alongamento é retirada (TAYLOR et al., 1990; MAGNUSSON et al., 1996b). Segundo Taylor et al. (1990), o aumento no comprimento da unidade músculo-tendínea observado após o exercício de alongamento parece não se reverter rapidamente, devido às propriedades viscoelásticas dessa estrutura. Magnusson et al. (1996b) relataram que, se os indivíduos permanecessem em repouso após o alongamento, ocorreria a perda de ADM em cerca de 60 minutos.
O ganho de flexibilidade muscular a longo prazo pode ser estatisticamente observado após seis semanas de treinamento. Bandy & Iron (1994) observaram um aumento significativo da flexibilidade dos músculos isquiotibiais após seis semanas quando o alongamento era aplicado uma vez ao dia, durante 30 segundos, cinco vezes por semana. O ganho observado foi significativamente maior do que o ganho dos indivíduos que mantinham o alongamento por 15 segundos. Não foram encontradas diferenças significativas entre os indivíduos que mantinham o alongamento por 30 segundos e aqueles que o mantinham por 60 segundos, sugerindo que não é necessário manter o alongamento por mais de 30 segundos para o ganho de flexibilidade a longo prazo, na freqüência semanal e no tempo total aplicados no estudo. Em outro estudo, Bandy et al. (1997) investigaram a eficácia do alongamento estático dos isquiotibiais quando praticado uma vez ao dia ou três vezes ao dia, não encontrando diferença entre os grupos.
Borms et al. (1987) não encontraram diferença significativa entre o ganho de ADM da articulação do quadril de indivíduos que se alongavam durante 10; 20 ou 30 segundos. Entretanto, tal estudo foi conduzido durante 10 semanas. Os achados mostraram que os grupos que alongavam durante 20 ou 30 segundos atingiram um platô em sete semanas, enquanto o grupo que se alongava durante 10 segundos só atingiu um platô em 10 semanas, sugerindo que o ganho total de flexibilidade foi o mesmo nos três grupos, mas o grupo de 10 segundos demorou mais para atingir o platô.
1.5.2 Alongamento Balístico
A técnica balística consiste no alongamento da musculatura em alta intensidade e curta duração. O alongamento balístico é caracterizado por repetidos movimentos onde os músculos são rapidamente alongados e, imediatamente, retornam ao comprimento de repouso, sem a manutenção da posição alongada por um determinado período. O movimento deve ocorrer até atingir o extremo da ADM articular. Tal técnica pode criar forças não controladas no interior do músculo, que podem exceder os limites da extensibilidade das fibras musculares, produzindo, portanto, microrrupturas no interior da unidade músculo-tendínea (BANDY et al., 1998). Por outro lado, a maioria das atividades esportivas é dinâmica e requer movimentos do tipo balístico, o que o torna a utilização da técnica mais funcional.
1.5.3 Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva
As técnicas de facilitação neuromuscular proprioceptiva (FNP) utilizam contrações musculares de agonistas e antagonistas a fim de ativar mecanismos inibitórios neurogênicos, tais como a inibição autogênica e a inibição recíproca, facilitando desta forma o alongamento muscular. Voss (1967) definiu a FNP como um método de promoção ou aceleração da resposta do mecanismo neuromuscular através da estimulação de proprioceptores. As técnicas de FNP envolvem contrações musculares isométricas em posição de alongamento, seguidas por alongamento ativo ou passivo. As inibições autogênica e recíproca, presentes neste método possibilitam, teoricamente, que o músculo seja alongado em maior grau do que seria possível com alongamento estático ou balístico (VOSS, 1967). Em contrapartida, alguns autores têm apontado um aumento das respostas contráteis da musculatura após a execução desta técnica, o que contraria o modelo proposto de inibição muscular (MAGNUSSON et al., 1996a).
Muitos estudos indicam que, apesar de o alongamento estático e a FNP serem técnicas efetivas, a FNP produz maiores ganhos de ADM do que o alongamento estático (FELAND et al., 2001; ETNYRE & ABRAHAM, 1986). Entretanto, como Bandy & Iron (1994) realçaram, a experiência prática pode ser requerida para administrar a técnica de maneira segura.
Prof. Thiago Vilela Lemos
Traumatismos articulares
A articulação pode ser traumatizada por mecanismo direto ou indireto. Na primeira situação, há impacto sobre a região levando à contusão articular. A segunda condição é mais frequente e ocorre por torção aplicada à região articular, resultando uma entorse. Nas duas situações as lesões podem ser de gravidade variada, indo desde um dano leve até uma condição grave com ruptura completa de ligamento ou com fratura intra-articular.
Quando a articulação é agredida instala-se uma reação local caracterizada porinflamação da membrana sinovial (sinovite) que secreta líquido sinovial que se acumula dentro da junta (derrame articular), distendendo a cápsula e provocando dor. Este processo pode demorar algumas horas para se instalar completamente. A semiologia vai depender da intensidade do trauma, do tempo de lesão e da articulação acometida. Se esta for superficial como o joelho, tornozelo, cotovelo ou punho, o derrame articular pode ser facilmente percebido à palpação. Lembre-se de que, às vezes, um grave traumatismo articular não se acompanha de derrame porque há lesão da cápsula e o líquido secretado esvazia-se pela ruptura.
No joelho o derrame articular tem semiologia mais rica e pode ser classificado como:
a- Pequena quantidade. Não provoca muita dor, leva à claudicação discreta, não causa aumento significativo do volume da articulação e, tipicamente, provoca retificação da concavidade normal da face interna do joelho. O líquido intra-articular não chega a ser palpável mas pode ser mobilizado dentro da articulação. Para tanto, com o indivíduo comodamente deitado, com uma das mãos, o examinador comprime a região suprapatelar e, com a outra, faz leve compressão da face interna do joelho, próximo da patela. Com isto, esta região se esvazia e surge a concavidade normal. Em seguida, comprime-se a face oposta do joelho, mobilizando-se o derrame que se acumula novamente na região medial. Desta forma, o derrame, embora pequeno, pode ser diagnosticado.
b- Média quantidade. Provoca dor moderada, maior claudicação e maior aumento de volume. O derrame articular pode ser palpável e surge o choque patelar. Para se pesquisá-lo posiciona-se o paciente com já descrito. Com uma das mãos faz-se compressão na região suprapatelar e, com a outra, aplicam-se pequenos golpes sobre a patela. Quando o sinal é positivo sente-se o impacto da patela contra o fêmur (choque patelar positivo).
c- Grande quantidade. Provoca grande dor e grande incapacidade funcional. O joelho apresenta-se com grande aumento de volume, está em atitude antálgica de semiflexão e facilmente palpa-se o líquido intra-articular. Frequentemente, a distensão articular provoca saliência do contorno do fundo de saco suprapatelar. Geralmente, é impossível examinar adequadamente o joelho devido a dor. Para aliviá-la deve-se fazer esvaziamento do derrame articular por meio da punção articular.
A punção articular, de maneira geral, está indicada nas seguintes situações:
1- Colheita de líquido para exame de suas características macroscópicas, microscópicas, testes laboratoriais específicos ou cultura para microorganismos.
2- Esvaziamento articular para alívio da dor e permitir exame adequado da articulação. A punção articular é um ato médico e deve ser realizada com todo o cuidado de assepsia e anti-sepsia (anti-séptico, luvas e campos esterilizados). No joelho os locais de punção mais frequentemente usados são no ângulo súpero-lateral e súpero-medial da patela, sobre o espaço articular que é facilmente palpável, pois está aumentado pelo derrame articular. No tornozelo usa-se um ponto situado entre os tendões do músculo tibial anterior e extensor longo do hálux, sobre a interlinha articular. Usa-se agulha de grande calibre ( nº 12), fazendo, antes um botão anestésico na pele.
Derrames articulares de média e pequena quantidade são formados por líquido sinovial de aspecto macroscópico límpido ou levemente hemorrágico. O líquido dos grandes derrames frequentemente é hemorrágico devido ao sangramento de estruturas lesadas.
Quando ele é francamente hemorrágico (hemartrose) e se instala rapidamente, deve-se suspeitar de lesão interna importante como ruptura de ligamentos ou meniscos. Se há gotículas de gordura sobrenadando o líquido hemorrágico isto é indicativo de fratura intra articular pois a gordura provém da medula óssea e só atinge a articulação quando há comunicação entre os dois sítios. Às vezes, a fratura é pequena e não é visualizada na radiografia simples e outras radiografias em incidências diferentes devem ser solicitadas para demonstrá-la.
O quadro geral de um traumatismo articular é de uma junta dolorosa, com limitação funcional, em atitude antálgica e pode, no sentido geral, ser classificado como:
a)- entorse (simples, moderada, grave);
b)- lesão meniscal;
c)- fraturas intra-articulares e,
d)- luxações (luxação, do latim luxo, significando deslocação).
Fonte: José B. Volpon - Prof. Titular, Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor
Diferenças anatômicas e fisiológicas do paciente pediátrico
A primeira respiração fetal necessita de pressão subatmosférica (negativa) da ordem de -40 a -100 cmH2O para garantir a construção da capacidade residual funcional (CRF). A manutenção desta CRF construída é indispensável, pois permite diminuir as pressões necessárias às inspirações seguintes, mantendo os alvéolos parcialmente abertos ao final da expiração. Isto se deve também à presença do surfactante que equilibra as tensões parietais intra-alveolares e à existência de um freio fisiológico expiratório laríngeo, que produz o fenômeno de auto-PEEP.
As diferenças mais aparentes entre adultos e crianças são o tamanho e o peso. Contudo, as diferenças fisiológicas relacionadas ao metabolismo geral e à função imatura de vários sistemas orgânicos (cardiovascular, respiratório, renal, hepático, sanguíneo, musculoesquelético e nervoso central) são de grande importância para o anestesiologista. Destacaremos aquelas mais relacionadas com a ventilação. Harris (1957) demonstrou as relações entre valores de um recém-nato a termo (RNT) e um adulto.
Entre esses valores, a área de superfície corporal (ASC) é importante no paralelismo em relação ao metabolismo, medido em kcal/m2. Se relacionarmos a ASC com o peso, o RNT possui o dobro da relação ASC/peso em relação ao adulto , do mesmo modo que o consumo de O2 e a produção do CO2 representam o dobro.
No RNT os pulmões ainda estão em desenvolvimento e a formação dos alvéolos do “tipo adulto” está começando, o controle da respiração é precário e a hipoxemia deprime (ao invés de estimular a respiração). A formação alveolar tem início há apenas quatro semanas antes do nascimento, embora as vias aéreas, incluindo os bronquíolos terminais, estejam completamente formadas a partir da 16ª semana de gestação. O RNT tem de 20 a 50 milhões de espaços aéreos terminais, principalmente sáculos primitivos, a partir dos quais se desenvolvem, mais tarde, os alvéolos. Durante os primeiros anos pós-natais o desenvolvimento e o crescimento dos pulmões continuam rapidamente, principalmente com o desenvolvimento de novos alvéolos. Aos 6 anos de idade o número de alvéolos atinge o do adulto (300 milhões ou mais). O crescimento posterior do pulmão está associado ao aumento do tamanho alveolar e das vias aéreas.
Durante a fase inicial do desenvolvimento pós-natal do pulmão o seu volume é proporcionalmente pequeno em relação ao volume corporal. Como o metabolismo do lactente em relação ao seu peso corporal é o dobro do adulto, a necessidade ventilatória por unidade de volume do pulmão está desproporcionalmente aumentada.
No RN a pressão pleural é menos negativa (maior que a do adulto) ou quase semelhante à pressão atmosférica, porque o recolhimento do tórax e do pulmão é baixo. Fatores como a anestesia, a cirurgia, o uso de afastadores e a distensão abdominal podem alterar os volumes pulmonares.
O diafragma e a musculatura intercostal do RN têm pouca massa muscular, com um baixo percentual de fibras do tipo I (contração lenta e alto metabolismo oxidativo), que são responsáveis pela atividade muscular mantida, com propensão à fadiga. O RNP possui de 10% (diafragma) a 20% (intercostais) e o RNT apresenta de 25% (diafragma) a 46% (intercostais) destas fibras. Aos 8 meses de idade este percentual chega a 55%-65%.
O tecido pulmonar é quatro vezes mais denso que o do adulto e este peso facilita a expulsão do ar nas partes dependentes da gravidade. O diafragma é elevado em virtude do deslocamento das vísceras abdominais que são proporcionalmente maiores. O volume de oclusão fica dentro do volume corrente.
A diminuição da CRF pode levar ao fechamento das vias aéreas, com desequilíbrio da relação ventilação–perfusão, resultando em hipoxemia. A importância da CRF, ar que permanece no pulmão ao final da expiração normal, geralmente não é valorizada pelos anestesiologistas. Este volume funciona como um sistema tampão, permitindo que o sangue que vai trafegar pelos alvéolos encontre-os cheios de ar para realizar as trocas gasosas.
O fechamento persistente da via aérea final, durante a anestesia, resulta em atelectasia de absorção do gás alveolar, principalmente se a mistura for oxigênio ou oxigênio e óxido nitroso, resultando em desequilíbrio da ventilação–perfusão, que é a causa comum de redução da PaO2 na sala de recuperação pós-anestésica (SRPA), agravada pelo fato de o RN não responder ao estímulo respiratório hipóxico.
A glote se alarga ligeiramente durante a inspiração e se estreita durante a expiração. É comum nos lactentes enfermos a produção de gemidos durante a expiração, causado pelo fechamento parcial da fenda glótica. Este recurso fisiológico previne o fechamento prematuro da via aérea. Em lactentes, quando o gemido é eliminado pela intubação traqueal, o intercâmbio gasoso se deteriora, a menos que se aplique uma pressão positiva contínua na via aérea (CPAP).
A capacidade residual do RN é dependente da estabilidade da caixa torácica. Quando o RN está em decúbito dorsal, como a CFR é muito baixa, o volume de fechamento fica acima da CRF, dentro do volume corrente, facilitando o colapso alveolar, que é evitado pelo freio respiratório laríngeo.
A estreita relação entre a ventilação alveolar e a CRF explica por que qualquer diminuição desta provoca hipoxemia muito mais rapidamente que no adulto e explica também por que a indução inalatória no RN é muito mais rápida. A partir de 1 ano a CRF aumenta de 15 para 25 mL.kg-1, diminuindo os riscos de hipoxemia.
Até os 3 meses de idade a respiração é quase exclusivamente nasal. A oclusão nasal é acompanhada de hipoxemia com importante diminuição do volume minuto. A boca é pequena, a língua é grande, a epiglote larga e rígida e a laringe é mais elevada e anteriorizada, dificultando a intubação.
A região subglótica é estreita e o risco de estenose pós-traumática é grande, a traquéia é curta (4 a 5 cm no RNT) e o risco da intubação seletiva é maior. Por causa do tamanho da cabeça, proporcionalmente maior que no adulto, a extensão do pescoço pode levar a desintubação e a sua flexão à intubação seletiva. Pela delicadeza das cartilagens traqueais, a flexão excessiva do pescoço pode causar sua obstrução.
Apesar de a complacência pulmonar, quando considerada isoladamente, ser muito menor no RN que no adulto, quando correlacionamos esta com a CRF, ela tem o mesmo valor (complacência específica).
Cesp = Cpulm/CRF
A resistência também é elevada, porém a condutância (C = 1/R), quando relacionada ao volume pulmonar, é idêntica à do adulto.
A complacência torácica (Ct) é elevada por ausência de ossificação costal e debilidade da musculatura intercostal. Esta complacência elevada não permite à caixa torácica fazer oposição à retração elástica do pulmão, tendendo ao colapso. Dez por cento do metabolismo basal é consumido no trabalho ventilatório. Por apresentar volume de oclusão elevado, complacência torácica elevada e imaturidade muscular, o RN deve respirar com baixo volume corrente e frequência respiratória elevada, para minimizar o esforço e manter o seu volume minuto adequado.
Fonte: Antonio Roberto Carraretto e Humberto Ribeiro do Val
Influência da adaptação do calçado na melhoria da marcha na doença de Parkinson – estudo de caso clínico
A doença de Parkinson é um distúrbio comum, progressivo e neurodegenerativo que está associado a imobilidade, perda de independência nas atividades da vida diária e instabilidade postural, que leva a quedas frequentes e maior probabilidade de fracturas.
Embora a intervenção farmacológica seja a base do tratamento da doença de Parkinson, existe pouca evidência que sugira a melhoria do equilíbrio e redução das quedas através do tratamento medicamentoso.
Este estudo de caso ilustra uma intervenção não-farmacológica associada a um melhor desempenho da marcha num homem de 74 anos com doença de Parkinson.
Apresentação de caso clínico
- O paciente foi diagnosticado com doença de Parkinson idiopática em Agosto de 1994.
- A doença seguiu um curso característico, com agravamento gradual dos sintomas.
- Durante os primeiros seis anos, os sintomas incluíam alucinações visuais, rigidez, postura em flexão, bradicinesia e inúmeras quedas para a frente, que foram observados pela primeira vez em Julho de 1999.
- Em todos os três períodos de fisioterapia, entre 2002 e 2004, foi registado o “time up-and-go test”. De 17 segundos para 28 passos em 2002 o registo foi piorando até serem necessários 38 segundos para 39 passos em 2004, já com uma bengala e supervisão.
- Uma entrada das anotações médicas em agosto de 2003 refere que "…este paciente está a tornar-se muito difícil de tratar…".
- No verão de 2004, o paciente, cada vez mais frustrado com a sua disfunção da marcha, sentindo que os seus “dedos estavam presos ao chão” decidiu aplicar umas cunhas de madeira às solas dos sapatos, num esforço para levantar fisicamente o antepé do chão.
- Embora a dureza da madeira causasse um pouco de desconforto, o paciente alegou uma clara melhoria na estabilidade postural, marcha e frequência queda.
- O sapateiro foi simplesmente instruído de que a parte dianteira do pé devia ser mais alta do que o retropé, e fez modificações de forma a reduzir a cunha até se fundir ao nível da cabeça dos metatarsos.
- O paciente afirma que a melhoria inicial tem sido sustentada. Uma entrada nas suas notas médicas a partir de agosto de 2005, declarou que o paciente “…parecia muito bem… a lidar melhor com os sintomas do seu Parkinson…”.
Avaliação e resultados
Uma bateria de testes foi realizada para investigar o efeito e mecanismo de ação da modificação objetiva.
Estas imagens (fig. 2) sugerem vários efeitos associados à modificação do calçado:
- aumento do comprimento do passo;
- melhor posição de ataque ao solo com o calcanhar, com o tornozelo mais perto de uma posição neutra a ligeiramente flexionado;
- maior fase de apoio com um período de contato do calcanhar mais longo, em oposição à descarga rápida que caracteriza a marcha de Parkinson.
Conclusões
As medições na tabela 1 indicam uma melhoria modesta na pontuação entre os estados, por isso estes resultados devem ser interpretados com cautela.
A análise Pedar e Quintic (fig. 1 e fig. 2) sugerem um mecanismo de ação plausível. Uma cunha que se estende desde as cabeças dos metatarsos à ponta dos dedos resulta na produção de um momento de flexão dorsal do tornozelo que é, teoricamente, capaz de resistir ao movimento de flexão para a frente.
Este mecanismo de acção é consistente com a melhoria no padrão de variação do centro de pressão observável no Pedar e com o padrão de descarga aumentada observado no Quintic.
No entanto, esta não é uma explicação inteiramente satisfatória, pois uma cunha para o antepé não justificaria as mudanças na posição de ataque do calcanhar ao solo.
Este paciente estava entusiasmado com uma modificação que ele tinha ajudado a desenvolver e isso pode explicar o seu aumento de otimismo em relação à sua doença, pelo que pode haver um placebo/atuação de dimensão psicológica, e essa potencial fonte de viés é importante.
Para além disso, se o efeito mecânico descrito é exato, deve haver um limite de compensação no calçado em que uma queda para trás se torna possível, o que requer investigação.
São necessárias investigações sistemáticas que os autores já começaram a planear, ainda assim, tudo indica que modificações do calçado como estas podem ter algum papel a desempenhar no tratamento da disfunção marcha na doença de Parkinson.
Improving gait performance in Parkinson's disease: a case report suggesting a role for footwear modifications Ian Mathieson, Sarah Curran, Sue Hallam, Judi Corne Physiotherapy - March 2008 (Vol. 94, Issue 1, Pages 85-88)
Reabilitação Vestibular num idoso com Hipofunção Vestibular Unilateral – estudo de caso clínico
A idade avançada tem sido associada à diminuição do equilíbrio, mais de um terço dos adultos com mais de 65 anos experiencia pelo menos uma queda por ano. As quedas são frequentemente multifatoriais, mas a disfunção vestibular é um importante fator de risco por si só.
Ao detectar o movimento da cabeça em relação à gravidade, o sistema vestibular envia informações pertinentes para manter a postura erecta e o equilíbrio. Os sintomas da perda vestibular podem incluir tontura, vertigem, oscilopsia, náuseas, nistagmo e vômitos.
Atualmente, a reabilitação vestibular tornou-se uma das modalidades da fisioterapia baseadas em evidência com resultados mais consensuais. Vários estudos recentes sugerem que a reabilitação vestibular isoladamente reduz o risco de queda em pacientes com insuficiência vestibular, que os exercícios vestibulares resultam na melhoria da estabilidade postural e que um programa de exercícios vestibulares personalizado leva à diminuição da tontura e assimetria nos testes de equilíbrio.
Este estudo de caso descreve a análise, avaliação e desenvolvimento de um plano de tratamento para um idoso com a perda vestibular unilateral.
Apresentação do caso clínico
- Paciente do sexo masculino, 80 anos, reformado, que relata períodos de vertigem com duração de vários minutos e que ocorrem de forma intermitente durante o dia. As tonturas eram descritas como uma sensação de estar sem equilíbrio quando estava em pé parado ou a caminhar, que piorava em ambientes movimentados ou menos iluminados.
- Estes sintomas fizeram-no interromper os seus hobbies (jogar golfe e ténis) e relatou uma queda no mês anterior, ao subir um lanço de escadas.
- Também foi relatado zumbido ocasional no ouvido direito e perda auditiva em ambos os lados.
- Da sua história médica constavam palpitações cardíacas, correção da visão a laser e alergias sazonais.
- Antes de se apresentar ao departamento de fisioterapia para a avaliação, o paciente foi avaliado por um otorrinolaringologista, sendo que os testes calóricos revelaram uma disfunção unilateral direita de 98,3%. Embora fosse uma disfunção grave, a prova calórica com gelo indicava que ele tinha alguma função vestibular residual. Estes resultados sugerem défice vestibular decorrente de um distúrbio periférico.
- O paciente era um homem alto, atlético com a postura anteriorizada da cabeça, com diminuição da extensão do joelho à direita e limitação da flexão dorsal do tornozelo bilateral.
Tratamento em fisioterapia
A intervenção inicial (uma única sessão) incluiu exercícios de estabilização do olhar para reforçar a adaptação vestibular.
Para começar o exercício, o paciente estava sentado, e segurou um cartão-de-visita com o braço estendido, de modo que as palavras impressas no cartão fossem legíveis. O paciente foi instruído a mover a cabeça da esquerda para a direita a uma velocidade auto-selecionada, mantendo o material impresso em foco e o cartão quieto, por período de um minuto, três vezes por dia. A frequência e a duração do programa de exercícios para casa foram determinadas com base na avaliação e em investigações anteriores.
A fim de se concentrar nos componentes somatos sensorial e vestibular, removendo o estímulo visual, o paciente foi instruído a ficar a um canto, com as pernas e braços afastados de forma a ter uma ampla base de apoio e os olhos fechados, com o objetivo de se manter estável assim por 30 segundos. Depois devia abrir os olhos e abanar a cabeça da esquerda para a direita e depois para cima e para baixo por mais 30 segundos para cada sentido do movimento. Este exercício devia ser executado 3 vezes por dia.
Oito dias após a avaliação inicial o paciente retornou à clínica para acompanhamento. No geral, relatou sentir-se melhor, tolerando melhor os desequilíbrios na marcha. Nos testes reavaliados observaram-se melhorias, à excepção dos reflexos vestíbulo-oculares. Quando ele demonstrou os exercícios vestibulares, o fisioterapeuta observou que ele estava sentado muito mais longe do que o comprimento de um braço do seu alvo. O fisioterapeuta forneceu informações adicionais, reforçando a importância de manter o foco visual na impressão durante todo o exercício.
Ao longo das sessões de tratamento a dificuldade dos exercícios foi aumentando, tanto através da alteração da posição relativa do paciente (começou a fazer os exercícios de estabilização do olhar de pé), como através da inclusão de fatores de distração visual.
Após 4 sessões clínicas ao longo de um período de 5 semanas, o paciente foi reavaliado. Ele relatou que havia retomado o golfe e o tênis e a sua única queixa foi a falta da resistência física.
Conclusão
Este estudo de caso fornece um modelo de programa de reabilitação vestibular baseado em exercícios para casa apoiado por acompanhamento clínico periódico.
Este programa de reabilitação vestibular foi eficaz em diminuir o risco de queda e o aumento da estabilidade do olhar num paciente idoso com hipofunção vestibular unilateral.
Uma estratégia similar pode ser eficaz no atendimento domiciliar e outras configurações de ambulatório, para idosos com deficiência no equilíbrio e histórico de quedas relacionadas com disfunção vestibular ou deficiências na integração sensorial de sistemas visual, vestibular e somatos sensorial.
Horning E, Gorman S. Vestibular rehabilitation decreases fall risk and Improves stability gaze for an older individual with unilateral vestibular hypofunction. J Geriatr Phys Ther. 2007; 30 (3) :121-7.
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