Introdução
O quadril
é a articulação proximal do membro inferior que tem como função
orientá-lo em todas as direções no espaço, razão pela qual
possui 3 eixos e 3 graus de liberdade. Os movimentos do quadril são
realizados por uma única articulação, que é a coxofemoral, uma
articulação tipo esferóide, bem encaixada. É dotada de uma menor
amplitude de movimento compensada de uma certa forma pela coluna
lombar, mas contrariamente ela é claramente estável, é a
articulação mais difícil de ser luxada em todo o corpo. Essas
características do quadril são condicionadas pela função de peso
do corpo e de locomoção assumida pelo membro inferior. A
artroplastia total do quadril em acetábulos deficientes foi sempre
considerado problema de difícil solução, porém grandes
reconstruções articulares começaram em 1962, quando John Charnley
realizou pela primeira vez uma artroplastia de quadril utilizando um
componente femoral metálico e um componente acetabular de
polietileno de alta densidade e cimento ósseo acrílico
auto-secante.
Um dos
principais objetivos da artroplastia é o alívio da dor e a
restauração da função articular, sendo sua principal indicação
o tratamento da coxartrose em pacientes da 3ª idade.
Em nossa
experiência, os diagnósticos mais comuns foram: coxartrose
primária, necrose da cabeça do fêmur, artrite reumatóide, fratura
do colo femoral, espondilite anquilosante entre outros.
Porém as
próteses têm inúmeros problemas: quanto à dimensão da esfera
protética; natureza das superfícies de contato, ligadas às
questões do coeficiente de atrito, resistência ao uso; toxidade
eventual conseqüente ao desgaste normal e, sobretudo pelo modo de
ligação com o osso vivo, dado pela questão da fixação. Por isso
as pesquisas sobre as próteses de quadril foram as que mais se
desenvolveram e onde o número de modelos é maior. Consequentemente
a recuperação funcional é objetivo de preocupação, pois o
tratamento fisioterápico deve iniciar desde a fase pré-operatória
que é uma fase fundamental para a evolução do tratamento. É nesta
fase que o fisioterapeuta iniciará um programa de fortalecimento
muscular, orientação para um bom posicionamento no leito, prevenção
das complicações respiratórias e quanto às escaras de decúbito,
prescrições de cadeiras de rodas e andadores, ao passarmos para o
pós-operatório continuaremos com todo o protocolo fisioterápico de
forma mais intensa e os cuidados nas posições deitado, de pé e
sentado durante as quatro primeiras semanas.
Avaliação
e tratamento fisioterápico na fase pré-operatória da artroplastia
do quadril
Quando
ocorre um trabalho de equipe, nós, fisioterapeutas, iniciamos um
tratamento precoce começando no pré-operatório, desta forma
proporcionaremos ao paciente informações de toda a sua recuperação
funcional.
Na
avaliação fisioterápica devemos observar o estado emocional e
psicológico do paciente, como se encontra, tenso, deprimido,
conformado com a situação, sua orientação quanto ao tempo e
espaço verificando durante o contato com o paciente seu nível de
consciência e a velocidade para a obtenção da resposta aos
estímulos. Continuaremos com o exame cardio-respiratório para
verificarmos a condição pulmonar através da ausculta pela presença
do murmúrio vesicular ou ruídos adventícios determinando,
portanto, a qualidade do aparelho respiratório. O exame motor deve
ser iniciado precocemente e será avaliada sua força muscular,
amplitude de movimento, coordenação e sensibilidade do paciente.
O
tratamento fisioterápico na fase pré-operatória deve ter uma
função preventiva que seria prevenir as complicações
respiratórias, motoras e evitar as escaras de decúbito. Sendo assim
iniciaremos da seguinte forma o tratamento:
1.
Cinesioterapia motora dos membros inferiores associados à respiração
profunda e lenta, procurando expandir o máximo o pulmão e manter as
articulações preservadas, pois no pós-operatório imediato o
paciente tende a ficar confinado a leito e ao quadro álgico
presente;
2.
Posicionamento adequado no leito para os membros inferiores devendo
manter as pernas abduzidas, porque os movimentos de flexão, abdução,
rotação interna ou externa acentuada podem luxar a prótese,
evitando também a flexão da articulação coxofemoral acima 45º de
como medida preventiva para a luxação;
3.
Cinesioterapia motora para todos os membros inferiores procurando
potencializar a musculatura abdutora do segmento a ser operado;
4.
Manutenção das articulações do segmento que vai ser operado
evitando assim bloqueio do joelho e tornozelo desnecessariamente;
5.
Fortalecer o membro oposto ao que vai ser operado; deve ser bem
trabalhado, pois ele é quem vai suportar, após a cirurgia, grande
parte do peso corporal;
6.
Orientação para a mudança de decúbito, pois o paciente não pode
ficar em decúbito lateral para o lado da cirurgia; orientar o
posicionamento correto na cama e a transferência para uma mesa
ortostática ou, caso não haja a mesa ortostática, facilitar a
mudança de deitado para sentado e posteriormente em pé;
7.
Orientar sentar em cadeiras e vasos sanitários; o paciente deverá
manter a perna que será operada em extensão, sentado com a região
lombossacra na cadeira evitando assim uma angulação exagerada na
mesma;
8.
Orientação e prescrição quanto ao uso de muletas ou andador;
9.
Orientar como será a reeducação de marcha, devendo ser iniciado
quase sempre um andador; manter as pernas abduzidas, evitando girar o
segmento operado em rotação interna ou externa;
10.
Iniciar contrações isométricas de quadríceps e glúteos;
11.
Flexão e extensão de tibio-társica com exercícios ativos
livres/resistidos, assim como movimentos de inversão e eversão;
12.
Quanto mais esclarecido o paciente estiver, mais fácil será sua
recuperação e, desta forma, evitaremos uma série de complicações.
Fatores
que contribuem para luxação e subluxação do quadril
A posição
errada de um ou ambos os componentes da artroplastia, o encurtamento
do fêmur, fraqueza dos músculos abdutores, avulsão do grande
trocânter, adução excessiva e flexão do quadril no período
pós-operatório inicial acima dos limites de angulação segura.
Tipos de
próteses mais usadas
*
Charnley e Muller – são próteses utilizadas nas artroplastias
totais, onde é substituído o componente acetabular e femoral.
*
Thompson e Bipolar – são próteses utilizadas nas artroplastias
parciais, onde apenas é trocado o componente femoral preservando o
acetábulo.
Considerações
sobre a utilização ou não do cimento ósseo
Drumond &
Brasil (1990), acreditam que há tendência hoje a utilizar também
componentes não-cimentados em revisões, pois o uso do enxerto para
uso do acetábulo tem sido considerado superior ao cimento, visando
preencher a cavidade, como Charnley inicialmente preconiza ou os
anéis e telas sugeridos por Eichker e Muller.
Oliveira
& Barros (1992), descrevem que no pós-operatório imediato, os
pacientes que receberam prótese sem utilização de cimento,
permaneceram com coxim abdutor por uma semana. A marcha sem apoio foi
liberada tão logo o paciente conseguiu auto-sustentar-se e a carga
total, liberada após 90 dias.
Nos
pacientes que receberam prótese com cimento, foram iniciados
exercícios isométricos no pós-operatório imediato e carga total
permitida após 10 dias.
Segundo
minha experiência, em relação à recuperação funcional, as
próteses cimentadas são melhores, pois permitem ao paciente uma
carga precoce a partir do 2º ou 3º dia de pós-operatório; já a
não cimentada terá que aguardar a consolidação, o que pode
ocasionar complicações no pós-operatório que já possui uma alta
taxa de mortalidade na 3º idade, em decorrência de complicações
respiratórias, escaras de decúbito, contraturas musculares e etc.
Tratamento
fisioterápico pós-operatório
A) Esta
segunda fase inicia-se no dia seguinte do pós-cirúrgico, permitindo
assim que o paciente descanse do próprio ato cirúrgico e anestesia;
B) Deve
ser colocado um coxim triangular, caso não tenha, um travesseiro
serviria para manter ambas as pernas em abdução;
C) Evitar
os movimentos de flexão acima de 45º, adução e rotação interna
e também a rotação externa, os quais podem luxar o quadril;
D)
Proporcionar mudança de decúbito para prevenir escaras, com o
máximo de cuidado para que não haja o deslizamento do lado operado,
o que irá favorecer a adução e conseqüentemente a luxação da
prótese;
E) O
paciente não deve ser colocado sobre o lado operado;
F) A
cinesioterapia respiratória deve ser intensificada, pois agora o
paciente está mais preso ao leito;
G) A
patela deve ser mobilizada, assim como o joelho, deslocando o
paciente de modo que ele fique em diagonal na cama e com a perna do
membro operado para fora, mantendo o quadril imóvel;
H)
Fortalecimento muscular: no caso dos abdutores, podem ser usados
patins para diminuir o atrito no leito, isometria de quadríceps e
glúteos. Colocaremos o paciente em diagonal no leito, mantendo a
coxo femoral em posição neutra permitindo que o joelho operado
fique pendente e realizaremos exercícios isotônicos para flexão e
extensão de joelho passiva, assistida, livre ou resistida, dependerá
apenas das condições do paciente;
I) Nos
primeiros dias o paciente é posto na posição ortostática através
de uma mesa ortostática, duas vezes ao dia;
J) No
terceiro dia ele é colocado de pé com ajuda de um andador, e
progressivamente deambula com uma marcha de carga parcial onde o
paciente divide o peso de seu membro operado com as muletas ou
andador, lembrando que o membro operado deve ser mantido em abdução
e o pé em posição neutra;
K) No
quarto dia o paciente poderá sentar em uma cadeira na posição
semi-ereta, porém o quadril não deve ser fletido mais do que 45
graus; ele sentará mais propriamente sobre o sacro e a região
lombar;
L) Do
quarto dia até a alta hospitalar, manteremos estas atividades com
aumento gradativo, sendo mais intensos em relação à amplitude e
incentivados e realizar com mais freqüência aumentando sua
resistência e força muscular.
Cuidados
a serem tomados após a alta hospitalar durante as primeiras 4
semanas
1)
Paciente deitado
Manter as
pernas abertas, não dormir sobre o lado operado, colocar dois
travesseiros entre os joelhos ou coxim triangular feito de espuma;
quando for virar para o lado não operado; pode se utilizada uma
tipóia para manter tracionado em abdução.
2)
Paciente sentado
Não
sentar reto na cadeira, pode sentar somente inclinando o tronco para
trás com a região lombossacra; evitar cruzar o membro afetado sobre
o lado não operado, não sentar em cadeiras baixas, não cortar as
unhas.
3)
Paciente em pé
Evitar
girar o membro operado sobre ele mesmo; pode dobrar o joelho operado
quando andar, pois não vai alterar no aumento da flexão do quadril;
utilizar muletas ou andador, colocando carga progressiva sobre a
extremidade operada; andar com as pernas abertas.
4)
Paciente no banheiro
Não
tomar banho de banheira, não pegar objetos no chão, só tomar banho
no chuveiro em pé, evitar o uso de tapetes e a presença de animais
que possam escorregar, tropeçar e provocar tombos.
5)
Orientação AVDs
Abster-se
do trabalho e das atividades sexuais; não dirigir veículos;
qualquer alteração no quadril, dor torácica, edema nas pernas,
drenagem sanguínea ou purulenta no quadril, deve ser notificada.
*
Normalmente os pacientes podem voltar às atividades sedentárias
após 4 a 6 semanas, e, após 3 meses, poderão retornar às
atividades que exigem em pouco de flexão lombar e dos joelhos.
Conclusão
É
necessário compreender bem o mecanismo das artroplastias do quadril,
pois nem sempre os tratamentos seguem a mesma linha de conduta, o que
implicará em modificações e adaptações de acordo com cada
paciente e complicação que por ventura tenha apresentado.
Quanto ao
tratamento fisioterápico quanto mais precoce for a atuação do
fisioterapeuta, mais rápido será a recuperação funcional do
paciente, sem complicações para os componentes cirúrgicos, motores
e respiratórios, para uma adequada reabilitação as atividades de
vida diária e profissionais.
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