CONCEITO PATOFISIOLÓGICO DE HIPERTENSÃO ARTERIAL
Quando se refere à hipertensão arterial sistêmica, trata-se de uma alteração da regulação da pressão arterial que a mantém em níveis mais elevados do que o normal correspondente a esse indivíduo; além disso, trata-se de uma perturbação que se mantém no tempo, ou seja, tem características de cronicidade.
Geralmente é muito difícil estabelecer qual foi o fator estocástico inicial, ou causal da hipertensão arterial sistêmica. Seja qual for o fator desencadeante da hipertensão arterial sistêmica, ela tende a se manter, pelo desenvolvimento de alterações vasculares renais, ou nefroesclerose arteriolar, como também pela adaptação estrutural das arteríolas, cujas paredes se tornam mais espessas e, finalmente, por uma readaptação dos baroceptores aórticos e carotídeos que reagem adaptando a pressão a níveis superiores ao normal.
Pode-se dizer que existem dois grandes tipos de hipertensão arterial sistêmica: a secundária e a primária ou essencial, sendo muito mais freqüente e importante a segunda forma.
A hipertensão arterial secundária trata-se de uma pressão alta devido a fatores pressores conhecidos, ou determinados por um distúrbio preciso. Ex: Coarctação da aorta, patologia que, além de causar hipertensão arterial, limita o raio da artéria aorta, produz acúmulo de sangue e reduz o fluxo sanguíneo renal.
A hipertensão primária ou essencial, que será a patologia objeto deste estudo, parece estar relacionada com fatores genéticos. Caracteriza-se pela reduzida condutância periférica total, e conseqüentemente, aumento significativo e conspícuo da pressão arterial diastólica, enquanto o volume sistólico apresenta poucas modificações, isto é, a pressão máxima não se altera muito.
A hipertensão arterial se acompanha freqüentemente de hipertrofia ventricular esquerda, a qual é considerada uma resposta compensatória, cujo objetivo seria normalizar a tensão na parede ventricular. Essa hipertrofia ventricular esquerda se caracteriza por alterações estruturais, funcionais e metabólicas do coração, as quais incluem aumento no volume dos miócitos cardíacos, aumento na espessura da parede das artérias coronárias, rarefação relativa de capilares, fibrose extracelular, além de modificações no metabolismo energético, no manuseio do cálcio intracelular e na contratibilidade e no relaxamento do miocárdio.
Classicamente, as alterações morfológicas do ventrículo esquerdo induzidas pela hipertensão arterial são divididas em três padrões geométricos: 1. Remodelamento concêntrico (aumento da espessura relativa da parede ventricular, porém com massa cardíaca normal); 2. Hipertrofia concêntrica (aumento da espessura relativa da parede ventricular e da massa cardíaca); 3. Hipertrofia excêntrica (aumento da massa cardíaca com elevação do volume da cavidade ventricular).
São complicações da hipertensão arterial sistêmica: a insuficiência cardíaca, o acidente vascular cerebral, a aterosclerose e as nefropatias secundárias.
EXERCÍCIO FÍSICO NO TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
A hipertensão arterial representa uma das maiores causas de morbidade cardiovascular no Brasil e acomete 15% a 20% da população adulta, possuindo também considerável prevalência em crianças e adolescentes. Considerada um dos principais fatores de risco de morbidade e mortalidade cardiovasculares, representa alto custo social, uma vez que é responsável por cerca de 40% dos casos de aposentadoria precoce e absenteísmo no meio dos próprios cardiologistas.
O efeito do exercício físico sobre os níveis de repouso da pressão arterial de grau leve a moderado é especialmente importante, uma vez que o paciente hipertenso pode diminuir a dosagem dos seus medicamentos anti-hipertensivos ou até ter a sua pressão arterial controlada, sem a adoção de medidas farmacológicas.
Todavia, somente 75% dos pacientes hipertensos são responsivos ao treinamento físico, uma vez que a hipertensão arterial sistêmica é uma síndrome poligênica e que pode ser influenciada pela herança genética.
PRESSÃO ARTERIAL E EXERCÍCIO ANAERÓBIO
A qualidade física envolvida neste tipo de esforço físico é a força muscular que, além de ser necessária no desenvolvimento de atividades atléticas, é, em termos de promoção de saúde, um parâmetro essencial para a prática de atividades ocupacionais e de lazer, contribuindo para a auto-suficiência de indivíduos sedentários, idosos, hipertensos e cardiopatas. Este tipo de exercício vem sendo, atualmente, utilizado em programas de reabilitação cardíaca, promovendo, quando realizados sob supervisão adequada, benefícios significantes e baixos riscos, e contribuindo para a redução da pressão arterial de repouso. Em uma meta-análise envolvendo indivíduos normotensos e hipertensos, observou-se que o exercício resistido dinâmico reduziu em média 3% a pressão arterial sistólica e 4% a pressão arterial diastólica em ambos os grupos, sem que houvesse alteração do peso corporal e da freqüência cardíaca de repouso. Contudo, o simples fato do exercício resistido leve a moderado não provocar elevações crônicas nos valores pressóricos, já é por si um dado importante, já que as qualidades físicas força e/ou resistência muscular localizada são essenciais no desenvolvimento de atividades de rotina, que justificariam a aplicação deste tipo de exercício para efeito de melhora na aptidão física.
O exercício que produz um aumento de tensão, especialmente durante a fase concêntrica da contração muscular, comprime mecanicamente o sistema arterial periférico. Isso acarreta uma redução persistente na perfusão muscular (aumento drástico na resistência periférica total) que é diretamente proporcional ao percentual da capacidade de força máxima exercida. Conseqüentemente, a atividade do sistema nervoso simpático, o débito cardíaco e a pressão arterial média aumentam drasticamente na tentativa de restaurar o fluxo sangüíneo muscular. A magnitude da resposta está relacionada diretamente à intensidade do esforço e ao tamanho da massa muscular envolvida.
Apesar do exercício de força poder causar aumentos maiores tanto na pressão arterial sistólica quanto na diastólica durante o levantamento de pesos elevados, a exposição crônica a essas pressões elevadas não resulta em elevações da pressão arterial de repouso. A hipertensão arterial não é comum entre os levantadores de peso competitivos ou nos atletas treinados em força ou em potência. De fato, o sistema cardiovascular pode responder ao treinamento de força pela redução da pressão arterial de repouso. Uma pesquisa mostrou que as reduções da pressão arterial em repouso com treinamento de peso é um pouco maior do que as resultantes do treinamento de endurance (Hagberg, et al.).
Portanto, o exercício físico tem um importante papel como elemento não medicamentoso para o controle da hipertensão arterial ou como coadjuvante ao tratamento farmacológico.
HIPERTROFIA CARDÍACA E TREINAMENTO FÍSICO
A hipertrofia cardíaca constitui-se num dos principais mecanismos de adaptação do músculo cardíaco à sobrecarga de trabalho. Essa resposta, que é fundamental para o atleta atingir o alto desempenho como resposta fisiológica devido à sobrecarga de trabalho imposta pelo treinamento físico, é também um importante risco de morbi-mortalidade em situações patológicas, como a hipertensão arterial.
As hipertrofias cardíacas resultantes da adaptação do miocárdio a uma sobrecarga fisiológica ou patológica apresentam características fenotípicas e funcionais diferentes e podem ser classificadas, de modo geral, como concêntricas e excêntricas.
No exercício estático ou isométrico a força é desenvolvida com pouco ou nenhum movimento. Esse tipo de exercício apresenta como conseqüência hemodinâmica uma ligeira elevação do débito cardíaco, resultante do aumento da freqüência cardíaca e uma grande elevação da pressão arterial, levando a uma sobrecarga de pressão do coração, que resulta em um espessamento da parede ventricular esquerda sem diminuição da dimensão interna da cavidade, desenvolvendo uma hipertrofia ventricular esquerda concêntrica. Têm sido demonstrados aumentos como 480/350 mm Hg (pressão sistólica e diastólica) em fisiculturistas durante o exercício. No exercício dinâmico, onde os principais padrões hemodinâmicos são aumento na FC e no VS, os dois componentes do débito cardíaco, levando a uma sobrecarga predominantemente volumétrica, o que desenvolve uma hipertrofia ventricular esquerda excêntrica.
Às vezes, a hipertrofia fisiológica desenvolvida pelos atletas de força de alto nível assemelha-se à hipertrofia patológica, podendo ser incorretamente interpretada como patológica. Além disso, o exercício físico pode modificar a expressão de genes cardíacos alterados, exercendo efeitos benéficos em condições patológicas, como a hipertensão.
Apesar de cifras elevadas de pressão arterial durante o exercício físico de alta intensidade (480/350 mm Hg), não é observado acidentes encefálicos, mesmo em coronariopatas ou hipertensos. Com base nesses dados fisiológicos e em considerável experiência clínica acumulada nos últimos anos, os exercícios de fortalecimento muscular passaram de proibidos a recomendados para portadores de doenças cardiovasculares.
EFEITOS CRÔNICOS DO TREINAMENTO DE RESISTÊNCIA
O exercício com resistência acarreta uma maior elevação na pressão arterial que o movimento dinâmico de menor intensidade, porém não produz qualquer aumento em longo prazo na pressão arterial em repouso. Ainda mais, um programa regular de treinamento de resistência, modera a resposta da pressão arterial a essa forma de exercício. Por exemplo, fisiculturistas treinados mostram aumentos menores nas pressões sistólica e diastólica com um exercício de resistência do que fisiculturistas novatos e os indivíduos destreinados. A maior parte das pesquisas indica que o treinamento padronizado de resistência é menos eficaz no sentido de reduzir a pressão arterial em repouso que os programas de exercício aeróbio regular, apesar de já terem sido relatados alguns efeitos positivos do treinamento de resistência. O exercício intensivo de resistência não é recomendado como a única forma de treinamento destinado a reduzir a pressa arterial nos indivíduos hipertensos.
PRESSÃO ARTERIAL NOS EXERCÍCIOS COM OS BRAÇOS E MANOBRA DE VALSALVA
As pressões sistólicas e diastólicas são consideravelmente mais altas quando o trabalho é realizado com os braços do que com as pernas. Isso porque a menor massa muscular e árvore vascular dos braços oferecem uma maior resistência ao fluxo sangüíneo que a maior massa e árvore vascular das pernas. Essa forma de exercício representa claramente uma maior sobrecarga cardiovascular, pois o trabalho do miocárdio aumenta consideravelmente.
Além de seu papel normal na ventilação pulmonar, os músculos expiratórios são importantes também nas manobras ventilatórias de tossir e espirrar assim como para estabilizar a cavidade abdominal e torácica durante o levantamento de objetos pesados. Durante a respiração tranqüila, a pressão intrapulmonar pode cair apenas cerca de 3mm Hg durante o ciclo inspiratório e aumentar outro tanto acima da pressão atmosférica durante a expiração. Entretanto, se a glote é fechada após uma inspiração plena e os músculos expiratórios são ativados ao máximo, as forças compressivas da exalação podem elevar a pressão intra-torácica em mais de 150 mm Hg acima da pressão atmosférica, com uma pressão ligeiramente mais alta dentro a cavidade abdominal. Essa exalação forçada contra uma glote fechada, denominada manobra de Valsalva, ocorre comumente no levantamento de pesos e em outras atividades que exigem uma aplicação rápida e máxima de força por um curto período. A fixação das cavidades abdominal e torácica com essa manobra aprimora a ação dos músculos que se inserem no tórax.
O aumento na pressão intratorácica durante a manobra de Valsalva é transmitido através das finas paredes das veias que atravessam a região torácica. Como o sangue venoso está submetido a uma pressão relativamente baixa, essas veias são comprimidas e o fluxo sangüíneo que retorna para o coração sofre uma redução significativa. Com a realização de um exercício que consiste em esforço excessivo, o retorno venoso é reduzido e a pressão arterial sofre uma queda subseqüente, o que poderá reduzir o suprimento sangüíneo ao cérebro. Isso pode produzir vertigens, “manchas diante dos olhos” e até mesmo desmaios. Quando a glote é aberta a pressão intratorácica é eliminada, o fluxo sangüíneo normal é restabelecido.
Com a adoção da manobra de Valsalva no início do levantamento, a pressão arterial sobe bruscamente (dentro do primeiro ciclo cardíaco após a manobra) à medida que a pressão intratorácica elevada força o sangue proveniente do coração para dentro do sistema arterial; a seguir, o volume de ejeção e a pressão caem bruscamente até abaixo do nível de repouso, em virtude do retorno venoso reduzido a partir das veias torácicas. Esse aumento temporário na pressão arterial dentro do coração e das artérias do tórax no início imediato da manobra de Valsalva é compensado por um aumento tensional proporcional sobre suas paredes externas, causado pela pressão intratorácica elevada.
A manobra de Valsalva acompanha habitualmente os esforços musculares persistentes, como ocorre no exercício isométrico e de grande resistência. Entretanto, provavelmente essa não é a causa da resposta hemodinâmica dramática a esse tipo de exercício. Isso ocorre mais provavelmente porque o exercício intenso e constante eleva demais a resistência ao fluxo sangüíneo nos músculos ativos durante a ação muscular persistente. A pressão do líquido intramuscular aumenta linearmente com todos os níveis da contração isométrica até alcançar o valor máximo de capacidade de contração do músculo. Isso produz uma elevação significativa tanto na pressão arterial quanto na carga de trabalho do coração durante todo o período do exercício, independentemente da manobra de Valsalva. É por essa razão que os indivíduos com doença cardiovascular deveriam abster-se de realizar exercícios com uma tensão máxima, como os isométricos ou o levantamento de pesos. A realização de uma atividade muscular mais rítmica resulta em um fluxo sanguíneo uniforme com elevações apenas moderadas na pressão arterial e no estresse subseqüente imposto ao coração.
REFERÊNCIAS:
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