Faculdade Mario Schenberg

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Terapia manual no tratamento de uma tendinopatia peronial - estudo de caso clínico


tendinopatia peronial é uma fonte incomum, e portanto pouco valorizada de dor e disfunção na face lateral no retropé que, com uma intervenção ineficaz, pode muitas vezes causar dor persistente e problemas funcionais.

Embora a patogênese da tendinopatia peronial não tenha sido bem estudada, outras tendinopatias foram, e as análises histológicas de tendões afetados identificaram quatro alterações predominantes, coletivamente denominadas hiperplasia angiofibroblastica: 
  1. Hipercelularidade e aumento da substância fundamental,
  2. Hiperplasia vascular ou neovascularização,
  3. Aumento da concentração de substâncias neuroquímicas
  4. Formação de colagênio desorganizado e imaturo.

A consistente ausência de células inflamatórias nos casos crônicos resultou no consenso geral atual de que este processo é de natureza degenerativa, apesar de uma componente inflamatória neurogênica poder existir.

Em relação ao tratamento da tendinopatia peronial existe pouca evidência científica. Alguns autores defendem o uso de cunhas na face lateral do calcanhar, no entanto, esta técnica de tratamento apresenta um problema, pois durante a marcha os tendões peroniais são recrutados sobretudo quando o calcanhar não está no chão. Outros defendem os exercícios excêntricos, que se têm revelado benéficos em casos de outras tendinopatias.

A terapia manual tem demonstrado resultados promissores em indivíduos com epicondilalgia lateral. Especificamente, os desvios laterais no cotovelo resultaram numa rápida redução da dor, melhoria da força de preensão sem dor e melhoria da função.

O objetivo deste estudo de caso é descrever a avaliação e tratamento de uma paciente com tendinopatia peronial, com ênfase na intervenção da terapia manual.

Apresentação de caso clínico

  • Paciente de 49 anos de idade, do sexo feminino, vista em agosto de 2010.
  • Referiu 15 meses de dor na face lateral no tornozelo esquerdo, que a impedia de realizar o seu exercício habitual: caminhar 3-5 quilômetros em terreno plano, 3x semana e realizar 30-45 min na elíptica 2x semana.
  • Na consulta a paciente relatou dor (6/10). No trabalho a dor aumentava quando tinha de fazer vários lanços de escadas durante o dia.
  • Também relatou rigidez generalizada em todo o tornozelo ao subir/descer escadas, com mais dificuldade a descer.
  • A história médica incluía uma fratura distal do perônio esquerdo (janeiro de 2009). Foi imobilizada por seis semanas com bota. Após isso fez três semanas de fisioterapia para retorno à atividade, embora nunca mais tenha recuperado a capacidade de sentar com o membro envolvido bem apoiado no chão devido à rigidez e amplitude de movimento limitada do seu tornozelo.
  • Em maio de 2009, começou a queixar-se do aumento da dor na face lateral do tornozelo e, posteriormente, foi diagnosticada com tendinopatia peronial.
  • Após dois meses de fisioterapia (programa de condicionamento e força geral) recebeu alta com menos dor e voltou à sua rotina de exercícios anterior.
  • No entanto, a dor nunca cessou completamente. Em janeiro de 2010, a dor piorou. Nesta altura tinha deixado a elíptica, mas continuou a andar com dor após 1,6Km, que começou com 1/10 e aumentou progressivamente para 6/10.
  • A ressonância magnética, em julho de 2010, não revelou resultados significativos.

Avaliação clínica

Foram administrados:
  • A escala de avaliação funcional dos membros inferiores (LEFS) para determinar o nível de dificuldade em várias tarefas funcionais.
  • A escala de Avaliação global da mudança (GROC) indicando mudanças percebidas no estado de saúde.
  • O NPRS para monitorizar a dor durante e entre os tratamentos de fisioterapia.
  • O teste de equilíbrio em estrela (SEBT)
  • Medição de amplitudes de dorsiflexão do calcanhar e dorsiflexão do calcanhar com o straight leg raise

Na observação notou-se leve atrofia dos gémeos esquerdos no membro acometido, sem edema ao longo do pé e face lateral do tornozelo.
Na avaliação da marcha revelou maior rotação para fora e pronação do médio-pé no membro envolvido, sobretudo na fase de propulsão, em comparação com o lado não envolvido.
A dor foi reproduzida pela palpação dos tendões peroniais, na região posterior ao maléolo lateral.
Os testes musculares manuais revelaram fraqueza peronial (4/5) sem dor. A inversão ativa e passiva também aumentaram a dor para 3/10.
Não havia sinais de lassidão ligamentar ou compressão do nervo por todo o pé e tornozelo.

Tratamento

  • Durante a avaliação inicial e a segunda visita, o tratamento foi direcionado para educar a paciente sobre o processo da sua doença.
  • Com base na avaliação clínica e no aumento da dor, foram aplicadas palmilhas no retopé e antepé do lado medial e lateral entre 3 e 6mm para descarga do tendão.
  • Além disso, foi feita mobilização articular talocrural de anterior para posterior até 75% da resistência (grau 4) como descrito por Maitland.
  • Foram aplicados alongamentos dos gémeos com o joelho estendido e dobrado, mantidos por 30-60segundos, 20 min/dia, 5x semana.
  • O reforço peronial foi realizado com theraband em 3x 15 repetições, 3x semana, em dias não consecutivos.



3ª Consulta
  • Um mês depois da avaliação inicial, ambos os resultados subjetivos e objetivos pioraram. A paciente atribuiu a um horário de trabalho ocupado.
  • Não estava a usar as palmilhas porque eram desconfortáveis.
  • Mediante isto, decidiu-se abandonar a palmilha e tentar uma técnica manual diferente:
  • Um deslizamento lateral do calcâneo até 50% da resistência (grau 3), como descrito por Maitland, foi realizado por 10 repetições. Imediatamente depois, a paciente realizou dez elevações unilaterais do calcanhar esquerdo livre de dor.
  • No final do tratamento a paciente conseguia deambular mais de 100 metros sem dor e o reforço peronial progrediu com o aumento da resistência.


Da 4ª à 7ª Consulta
  • Duas semanas após a terceira visita, a paciente estava a caminhar 30 min 3-4 vezes por semana, com dor, não superior a 3/10 e não teve dificuldade em avançar lanços de escadas.
  • É agora capaz de realizar 17 elevações unilaterais do calcanhar esquerdo antes da sua dor inicial aumentar. Não houve um aumento na dor com a marcha.
  • Foi realizado o desvio lateral do calcâneo como descrito acima, sem qualquer alteração na dor ou a capacidade de realizar elevações unilaterais.
  • A intervenção durante os tratamentos 4 a 7 teve como objetivo a progressão de resistência de fortalecimento peronial e mobilidade talocrural, como descrito acima.


Consulta 8
  • O último tratamento foi 3,5 meses após a avaliação inicial. O paciente relatou dor 0/10 e voltou à sua rotina de exercícios anteriores, sem problemas. Todas as medidas subjetivas e objetivas demonstraram melhoria.


Conclusões

  1. Nesta paciente com tendinopatia peroneal foram observadas melhorias significativas na função e dor depois de 8 consultas de avaliação e tratamento em fisioterapia. 
  2. Sendo interessante notar que as alterações não foram observadas até ter sido realizado um desvio lateral do calcâneo. O desvio lateral melhorou os sintomas e função, apesar do fato de não haverem restrições articulares específicas na articulação subtalar. Pensa-se que as mobilizações articulares alteram a dor através de mecanismos biomecânicos, químicos, medulares, e supra-medulares. Não é claro qual dos mecanismos acima mencionados, se houver, são mais influentes no presente caso. No entanto, de forma análoga, está descrito na literatura que um deslizamento lateral no cotovelo resulta numa rápida redução na dor, preensão livre de dor e melhoria da função em casos de epicondilalgia lateral do cotovelo.
  3. Os resultados deste estudo de caso devem ser interpretados com cautela, outras razões para a melhoria devem ser consideradas. Esta paciente também recebeu exercícios de fortalecimento peronial, juntamente com alongamentos.
  4. Apesar de não ser clara a preponderância de cada um dos tratamentos na melhoria da condição clínica da paciente os autores neste caso consideram uma combinação de intervenção com terapia manual e exercício terapêutico essencial para o tratamento desta paciente.




Hensley CP, Kavchak AJ. Novel use of a manual therapy technique and management of a patient with peroneal tendinopathy: a case report. Man Ther. 2012 Feb;17(1):84-8.

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